O debate sobre o financiamento da educação superior parece ter voltado à pauta. Ao mesmo tempo em que o governo reduziu os repasses para universidades federais e provocou uma reação intensa de parte da academia, o partido Novo resolveu apresentar formalmente uma proposta que permite a cobrança de mensalidades nas instituições de ensino superior do estado de São Paulo.
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Nos Estados Unidos, onde o sistema de crédito educacional vive em crise, o assunto também está em voga. A senadora e pré-candidata à Presidência Elizabeth Warren anunciou, no mês passado, um plano radical. A ideia é assegurar faculdade gratuita para todos e o perdão de 95% das dívidas atuais de financiamento estudantil.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, o debate parece se equilibrar sobre duas opções excludentes: a gratuidade total de um lado e a cobrança de mensalidade do outro.
Mas existem propostas alternativas. Uma delas é o chamado compartilhamento de custos com crédito estudantil contingente à renda. De forma geral, o sistema funciona assim: o estudante de universidade pública não é cobrado durante seus anos de estudo. Em contrapartida, precisa destinar parte do salário depois de formado para pagar seu débito. O desconto é automático, o que evita a inadimplência e, consequentemente, permite a cobrança de juros reduzidos.
No fim das contas, universidade não é gratuita, mas os alunos de baixa renda podem ingressar no ensino superior sem qualquer ônus – só precisarão ter alguma despesa quando (ou se) estiverem recebendo salário como formados.
O modelo foi idealizado pelo economista liberal Milton Friedman, ainda na década de 50, e acabou implementado pela primeira vez nos anos 1970, na Universidade de Yale. Lá, o método acabou sendo abandonado – dentre outros fatores, porque a instituição de ensino não tinha capacidade de aferir a renda dos alunos depois que eles se formavam, o que incentivava a omissão de informações por parte deles.
O método foi mais bem-sucedido quando aplicado de forma mais ampla, com coordenação do Estado. Em 1989, a Austrália foi o primeiro país a tornar política pública os empréstimos contingentes à renda. De lá para cá, países como Inglaterra, Hungria e, em menor escala, Coreia do Sul, Chile e Tailândia seguiram caminhos semelhantes.
O problema encontrado em Yale estava superado nesses lugares, já que os governos têm acesso às declarações de imposto de renda dos cidadãos e, portanto, a omissão de informações teria um preço muito maior. Com os governos envolvidos, aliás, também se tornava mais fácil fazer o desconto automático nos salários para pagar os empréstimos.
Esse método alternativo de financiamento educacional foi objeto de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2016. O autor do trabalho, Paulo Meyer Nascimento, conclui que os empréstimos contingentes à renda são uma alternativa eficaz na diminuição das despesas com o ensino superior. “É uma forma de reduzir o custo do Estado com a formação superior e dizer que a conta do ensino universitário não vai ser arcada só pelo Estado, mas será dividida com o beneficiário direto, que é o estudante”, explicou o pesquisador à Gazeta do Povo.
Para Nascimento, a gratuidade completa cria algumas distorções e o Estado precisa adotar formas diferentes de financiamento. “Quanto mais for necessário expandir um sistema, mais difícil será fazê-lo, considerando que o orçamento público é finito e o ensino superior tem um custo muito elevado”, diz ele.
Professor de Economia da Universidade de Brasília, José Carneiro afirma que a proposta dos empréstimos contingentes à renda faz sentido: “É uma política razoável, especialmente se levarmos em conta os desvios do sistema atual. Se a sociedade gastou uma fortuna para formar um odontólogo e ele vai atuar como administrador, o dinheiro foi jogado fora”, diz.
Dinheiro privado
Nos Estados Unidos, um sistema semelhante ao dos empréstimos contingentes à renda tem sido defendido por alguns economistas. Mas com uma diferença: a origem do crédito seria não o governo, mas investidores e instituições privadas.
Levando em conta o prognóstico de ganhos de um futuro advogado ou engenheiro, financiar a educação de universitários nessas áreas parece um bom investimento – inclusive porque, para reduzir riscos, é possível diversificar os investimentos e se ter direito a uma parcela pequena dos vencimentos de um número elevado de estudantes.
Para além de permitir a sustentação financeira do ensino público, o modelo tem um segundo aspecto polêmico. Os cursos com perspectivas profissionais mais nebulosos atrairiam menos investidores, o que também reduziria a demanda por essas áreas de estudo. Por exemplo: o aluno que pretende estudar sociologia pode não encontrar um financiador – o que significa, na prática, que as chances de ele não conseguir um emprego após a formatura são altas. Nesse caso, o potencial de emprego é levado em conta desde o início. Cursos com menos potencial de retorno econômico atrairão menos investidores e, consequentemente, menos alunos.
Em um estudo publicado em março pelo Manhattan Institute for Policy Research, a pesquisadora Beth Akers defende o que chama de Acordos de Compartilhamento de Renda, ou Income-Share Agreements (ISOs): “O modelo do ISA transfere o risco do estudante para o investidor”, diz ela no texto. Para a pesquisadora, o modelo também provê a cada estudante “uma rede de segurança contra situações adversas”, já que “os pagamentos nunca são desproporcionais à capacidade de pagamento do estudante”.
Mas o método tem problemas, na opinião de Paulo Meyer Nascimento. Um deles é a dificuldade de controle da renda no pós-formatura (como um contrato meramente privado, sem atuação do governo, fica mais difícil aferir os ganhos reais do profissional beneficiado pelo empréstimo).
Outro ponto a ser observado, segundo professor José Carneiro, é que nem sempre o interesse dos investidores será o mesmo do país. “Há algumas falhas de mercado na área do ensino superior”, diz ele. Um estudante de filosofia, por exemplo, pode ter um prognóstico salarial pouco atrativo, mas ainda assim ser necessário para um sistema educacional abrangente.
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O que é quase consenso entre economistas é o fato de que o modelo atualmente adotado pelo Brasil desperdiça dinheiro. Ao oferecer ensino gratuito e universal, sem qualquer contrapartida, o sistema não incentiva que os estudantes tomem escolhas racionais. A evasão é alta e, em muitos casos, o egresso jamais atuará na área em que se formou.
A gratuidade universal e o desperdício têm outra consequência negativa: o país acaba gastando pouco, proporcionalmente, com a educação básica. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem dito que o ensino superior deixará de ser prioridade. “Para cada aluno de graduação que eu coloco na faculdade, eu poderia trazer dez crianças para uma creche”, afirmou ele no último dia 1º.
O professor José Carneiro concorda que, independentemente do modelo adotado, as universidades públicas não podem depender apenas do repasse de recursos do governo. “O único nível educacional que tem capacidade de autofinanciamento é o ensino superior: é possível colocar alunos e professores para prestar serviço à sociedade – na área de tecnologia, por exemplo”.
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